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sexta-feira, 22 de abril de 2011

Um artigo para o feriado



O ano de 2011 proporcionou uma grata surpresa para os brasileiros, a junção de dois importantes feriados, o dia de Tiradentes e a Sexta-feira Santa. Para muitos, uma grande oportunidade de ir para o litoral e passar quatro dias aproveitando as belezas naturais de nosso país, sem ao menos saber o porquê do descanso. Entretanto, a gratidão da surpresa vem do fato de reunir sob um único feriado duas figuras que estão intimamente ligadas ao imaginário brasileiro.

A figura de Tiradentes é um tanto quanto emblemática para os historiadores. Um ilustre desconhecido, tido como o mártir da Independência, morto por ter lutado por uma sociedade livre, citado por políticos que se condecoram sobre as mesmas pedras das Minas Gerais que testemunharam seus passos, uma construção histórica que ainda não faz muito sentido para todos os brasileiros.

Historicamente falando, Joaquim José da Silva Xavier esteve envolvido no movimento denominado como Inconfidência ou Conjuração Mineira de 1789. Composto pela elite mineira endividada, oprimida pelos impostos portugueses, objetivava cortar os laços com a Metrópole, para se livrar das dívidas que corroíam a riqueza do grupo. Influenciados pelos ideais iluministas e pela Independência dos EUA, queriam a formação de uma república liberal-burguesa que tivesse como capital a cidade de São João Del-Rei, a criação de uma universidade em Vila Rica e a implantação de manufaturas têxteis e siderúrgica para o novo Estado. A conspiração estava sendo tramada há algum tempo e seria deflagrada no dia da execução da derrama (cobrança dos impostos atrasados) para contar com o amplo apoio da população.

O fim da história todos conhecem (ou pelo menos deveriam conhecer). Após alguns inconfidentes denunciarem o movimento às autoridades portuguesas, foi desmantelado antes mesmo de ser posto em prática. Todos os envolvidos foram presos, sendo condenados ao exílio na África, com exceção de um, o mais pobre e menos instruído do grupo, que foi condenado à morte por enforcamento para servir de exemplo aos que se rebelassem contra a autoridade real. Enforcado, decapitado e esquartejado em praça pública no Rio de Janeiro aos 21 de abril de 1792, Tiradentes foi relegado ao limbo da História.

De mero coadjuvante à protagonista passou-se mais de um século. A memória de Tiradentes foi resgatada pelos republicanos que ansiavam legitimar o regime como uma luta de muitos anos contra a opressão da monarquia portuguesa, que ainda estava presente no Brasil até 1889, ano da proclamação da República (curiosamente um século depois a Inconfidência Mineira). A figura do mártir da Independência começou a ser desenhada para servir aos objetivos da classe dominante e para incluir o povo no processo nada popular da República Brasileira. Um pobre, de baixa patente militar, que morreu heroicamente lutando pelo ideal de uma república de liberdade. Simplesmente perfeito! Contudo, depois de décadas de esquecimento sua imagem teve que ser reconstruída (ou melhor, construída, já que ninguém se lembrava de quem seria esse homem). Daí entra a figura do segundo personagem do nosso feriado.

A associação da figura de Tiradentes com a de Jesus Cristo não é mera coincidência. Ambos queriam uma sociedade melhor, foram traídos por seus companheiros e acabaram mortos pelos seus ideais, sendo esquecidos durante um tempo, para voltarem triunfantes para a História. O sacrifício de Tiradentes pela República e o esquecimento de cem anos a que foi relegado, foi associado com o próprio sacrifício do Cristo na cruz e os três dias em que passou dentro da sepultura (guardadas as devidas proporções cronológicas e ideológicas).

Ambas as figuras também careciam de representação. Por ser um homem pobre, sem recursos (assim como o próprio Cristo), Tiradentes não possui nenhum retrato fiel. O esforço imaginativo dos republicanos é que deu um rosto ao nosso protagonista: longas barbas e longos cabelos, como mostra o monumento da Praça da Estação Ferroviária em Belo Horizonte, imagem que estampa esse artigo.

Nele podemos ver um Tiradentes corajoso, de peito aberto para a morte (assim como o Cristo morto de braços abertos), o olhar projetado ao horizonte, a cabeça erguida, sendo mais alto que o padre que o exorta (ironicamente segurando a imagem do martírio de Cristo), que o militar que põe a corda em seu pescoço e do escravo que a segura. Uma pomba aproxima-se do lado esquerdo da cena, a representação dupla da paz e do Espírito Santo que parece que irá pairar sobre a cabeça do enforcado assim que a corda for puxada (com certa incoerência histórica, pois não era dessa forma que os enforcados eram mortos). Estes elementos são comuns a qualquer pessoa católica, como a maioria das pessoas da época, e sedimentaram-se no imaginário brasileiro por meio dos livros didáticos, monumentos e representações artísticas posteriores. Eis a ironia deste feriado, reunir sob a mesma data duas figuras que estão fortemente atreladas, mesmo que separadas por quase 19 séculos e vivendo sob circunstâncias completamente diferentes.

A representação de Tiradentes nos faz refletir como as construções históricas estão presentes em nossa vida e a forma que elas podem ser utilizadas para atender a objetivos que tem pouca relação com o que ocorreu de verdade. Tudo isto está escondido sob as estampas dos livros didáticos, as pompas dos monumentos históricos e as superficialidades das matérias jornalísticas, que passam por cima da História, romantizando um herói que simplesmente não existe com o heroísmo que é representado. Tomara que possamos aproveitar o tempo de descanso para repensar o que vemos e o que lemos e quem sabe compreender ao menos o significado verdadeiro de nosso feriado (ou mais ambiciosamente, da própria História brasileira)!


Autor: Felipe C. Nascimento

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